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- Chain Reaction Capítulo 1 - Diferentes
agosto 06, 2016
Fanfic Chain Reaction
Escrita por Tinacris
[+16]
Notas da Autora: É a minha primeira fanfic neste site, espero que apreciem.
POV Jessica
Eu reprimi um bocejo no meio da reunião que meu pai presidia. Ele ultimamente me fazia acompanhá-lo para todas as reuniões e viagens de negócios. Como aquilo era cansativo! O engraçado é que segundo os comentários que chegavam aos meus ouvidos, muitos achavam que eu levava mais jeito do que ele para colocar a empresa nos eixos. Apesar do ar frio e enfadonho que eu passava, eu era na realidade uma pessoa muito tímida e procurava ser gentil com os funcionários, o que o meu pai não fazia. Eu tratava a todos bem e me importava de verdade. Por que não me importaria? Eles eram pessoas normais, simples. Ao contrário de mim. Sim, eu tinha um segredo que escondia até mesmo de meus pais. Era um segredo meio louco, até mesmo para mim. Eu podia enxergar através das coisas! Quando falo em coisas, me refiro a objetos sólidos.
Foi assim que eu vi o envelope que meu pai escondeu às pressas na gaveta do escritório quando eu entrei. Por curiosidade, eu fiz algo que havia decidido não fazer. Eu usei o meu “dom” e vi o envelope descansando no fundo da gaveta com um símbolo gravado no papel como uma marca d’água. Aquilo, de alguma forma que não sei explicar, parece ter despertado algo no fundo de meu cérebro e senti lembranças querendo forçar a passagem para sair. Um único símbolo.
Agora, após a reunião, fomos juntos para o carro. O silêncio imperou pelo caminho. Parece que se não fossem negócios, não tínhamos o que conversar. Descemos pelo elevador até o estacionamento e entramos no carro, sentando no banco traseiro, pois o motorista já estava a postos, aguardando nossa chegada. Percebi que meu pai trazia consigo, além da costumeira maleta, um malote menor, quadrado. Resistindo a tentação de olhar muito para ele, eu perguntei casualmente.
_ O que é isso?
Ele pareceu se assustar com minha pergunta. Suas mãos envolveram o malote como se quisessem protegê-lo.
_ Ah, não é nada demais. Apenas acessórios novos para o escritório que comprei na internet.
Meu pai não era de fazer compras na internet. Aliás, geralmente havia quem fizesse isso para ele. Mas resolvi ficar calada e não perguntar mais nada. Quando chegamos em casa, eu o acompanhei até o escritório para revermos a agenda do dia seguinte e darmos por encerrado aquele dia. Observei quando ele guardou os “acessórios” no seu cofre particular. Fingi não ligar para o que ele fazia e trocamos informações sobre a agenda, depois subi para o meu quarto.
Naquela noite, meus pais recebiam amigos no jantar, visitas inesperadas que acabavam de chegar de viagem. Jantamos em um clima descontraído e notei que meu pai realmente estava envolvido com as visitas. Então, o malote guardado no cofre me veio à mente. Pedi licença com o pretexto de dar um telefonema e subi. Fiz algo que nunca foi do meu feitio. Entrei furtivamente no gabinete de meu pai e me aproximei do quadro que escondia o cofre por trás. Não foi preciso tirá-lo do caminho. O meu olhar fixo passou através dele e também através da pesada estrutura de aço do cofre. Lá dentro estava o malote com o mesmo símbolo do envelope gravado sobre ele, e dentro dele pude ver um objeto estranho. Parecia um daqueles cubos de Rubik, mais conhecidos como cubos mágicos. Mas o formato era diferente. Era como se alguém tivesse soprado dentro dele e expandido os lados com ar. Também não era colorido, mas apenas a cor prata o envolvia por completo. Não era uma cor estática, pois parecia brilhar e pulsar levemente. Foi estranho, mas não consegui ficar olhando por muito tempo. Aquilo fez minha cabeça começar a latejar. Era como se pudesse me afetar de alguma forma. O que meu pai estaria escondendo?
POV Hyoyeon
Eu o segui até uma casa. Na realidade, era uma mansão que ficava localizada no lado nobre da cidade. Era uma daquelas mansões com cerca elétrica, câmeras, cães furiosos e seguranças armados. Não seria um trabalho fácil. Escondi minha moto em meio a alguns arbustos do outro lado da estrada e aguardei. Retirei minha câmera de dentro da mochila e passei a correia por cima do ombro. Uma foto daquele político famoso em um lugar suspeito como aquele renderia um bom dinheiro. Bem, para quem está pensando que sou algum tipo de policial ou detetive, se enganou. Sou apenas uma fotógrafa intrometida tentando ganhar uma boa grana e deixar aquela vida para trás. Ser paparazzi de político não foi o meu projeto inicial, mas foi o melhor que consegui fazer com uma câmera.
Deixei a moto estacionada e escondida e segui até o muro. Como esperava, era cercado em cima com uma cerca elétrica. Sorri no íntimo e me diverti com o pensamento. Aquilo realmente não era problema para mim. Com a ajuda de algumas fissuras no muro, eu escalei e alcancei a cerca. Quando a toquei, senti que o choque poderia matar ou apenas deixar inconsciente qualquer pessoa normal, mas eu não era normal. Os choques faziam apenas cócegas em minhas mãos. Passei e pulei para o outro lado sem problemas. Ouvi uns grunhidos atrás de mim e me virei ainda no chão. Tinha esquecido dos cães! Um deles havia me visto e estava com os dentes à mostra, pronto para pular em cima de mim, o corpo arqueado e os pelos eriçados. Quando ele saltou, eu estirei meu braço direito para a frente e uma pequena descarga elétrica saiu de minha mão e atingiu o animal que caiu desacordado. Se eu o tivesse tocado com as duas mãos, o choque teria sido fatal e ele poderia estar morto agora.
_ Desculpe por isso, amigo. Você só estava fazendo o seu trabalho, mas agora tenho que fazer o meu.
Eu passei por ele e corri meio agachada com a câmera já em mãos, pronta para o primeiro clique da noite. Aproximei-me de uma das grandes janelas que dava para a frente do jardim e sorri satisfeita com o que vi. Lá dentro, na luxuosa sala, encontravam-se cinco homens influentes não apenas na política, mas também na indústria e no meio empresarial. Estavam contando dinheiro em cima de uma mesa, rindo e bebendo whisky importado. Eu comecei a tirar as fotografias, inclusive dando um zoom no rosto de cada um e no dinheiro também. Aquelas fotos me renderiam bem mais do que o salário do mês inteiro. Quando me dei por satisfeita, voltei rapidamente pelo mesmo caminho. Passei por cima do cão adormecido e saltei o muro do mesmo jeito que havia entrado.
Eu olhei um momento para minhas mãos, limpas de qualquer dano, e me perguntei pela milésima vez o motivo de eu ser daquele jeito. Eu, desde meus treze anos, conseguia pegar em qualquer coisa sem sofrer danos. Podia ser o fogo, o gelo, a eletricidade, coisas tóxicas. E tinha mais, o meu corpo podia devolver aquilo que recebeu no contato. Fosse o que fosse. Foi por esse motivo que consegui dar o choque no pobre cão. Mas por que eu era assim? Tinha que haver uma explicação. Eu não sabia ainda, mas daria tudo para descobrir.
POV Yuri
Eu estava na fila do supermercado, aguardando para pagar um pote de sorvete, quando o meu celular, que estava no silencioso, vibrou em meu bolso. Ignorei e olhei em volta. Havia apenas duas pessoas na minha frente e o supermercado parecia deserto àquela hora. Não que fosse tarde, mas era véspera de um final de semana e eu esperava que houvessem mais pessoas. Os toques pararam e eu pensei que talvez tivesse sido engano. Mas logo em seguida a esse pensamento, eles voltaram. Estremeci e fiquei pensando se atenderia ou não. Durante toda aquela semana, uma pessoa ficou ligando para mim e enviando mensagens estranhas. Nunca falava, apesar de eu saber que havia alguém do outro lado da linha.
Os últimos dez telefonemas gravados em meu aparelho vinham do mesmo número: “confidencial”. Sempre após o telefonema vinha a mensagem. O que elas diziam para me deixar apavorada? “Estou de olho em você”, “Sei o que você faz”, “Conheço o seu segredo”, “Eles estão chegando para buscar você”. E muitas outras desse tipo que acabei deletando. Os toques pararam quando chegou minha vez de pagar. Dei o dinheiro para a moça do caixa torcendo para ela não perceber minha mão tremendo. A senhora que havia passado na minha frente, porém, enquanto empacotava suas coisas me olhava com preocupação.
_ Está se sentindo bem? Você está pálida! – Ela falou.
Eu sorri sem graça e passei por ela com um respeitoso aceno de cabeça.
_ Sim, eu estou bem, é apenas o frio. Obrigada por se importar.
Passei por ela rapidamente, mas quando cheguei na porta, o celular vibrou novamente. Logo em seguida veio o toque de mensagem. Peguei o aparelho e só então percebi o quanto eu estava nervosa. A mensagem dizia: “Olhando daqui, você até parece que é normal”.
Eu soltei o saco com o pote de sorvete no primeiro carrinho que encontrei e saí dali correndo, sem nem olhar para trás. O celular continuou vibrando e eu tive a tentação de jogá-lo fora. Quando eu o toquei, minha mão passou por ele como se não houvesse nada em meu bolso.
_ Droga! Isso não é hora para falhar.
Aquilo sempre acontecia quando eu ficava nervosa. Sim, eu tinha um dom, não era como as outras pessoas. Minha normalidade consistia em minha aparência e no meu emprego. Eu dava aulas de natação para adolescentes. Tirando essa vida normal, eu podia atravessar paredes e qualquer outra coisa sólida. Isso não se vê todo o dia. Mas acontecia de não conseguir controlar o toque quando ficava nervosa ou ansiosa demais. Como agora.
Eu parei ofegante diante do prédio em que morava. Olhei para a rua e não vi ninguém suspeito. Atravessei e subi correndo até o terceiro andar, não queria ficar presa em um elevador que mal cabia três pessoas. Lá em cima, na segurança de minha casa, eu pude finalmente descansar. Sentei na cama e olhei longamente para minhas mãos. Algumas vezes eu me perguntava se estava mesmo viva, pois para mim aquilo era coisa de fantasmas. Atravessar paredes!
E agora havia aquela pessoa a me seguir, dizendo saber o que eu fazia, conhecendo o segredo que eu guardava comigo por tantos anos! Quem poderia ser? Por que estava brincando comigo em vez de aparecer logo? Apesar do medo, aquela pessoa poderia ter as respostas que eu tanto ansiava conseguir.
POV Sooyoung
A biblioteca da faculdade era assustadora à noite. Poucos alunos a frequentavam naquele horário. Eu trabalhava lá como voluntária durante o período noturno, o que também me dava condições de fazer minha própria pesquisa particular, além da que eu já fazia para o curso de Mestrado. Era tarde quando fechei o livro que estava lendo com um suspiro frustrado. Por mais que eu procurasse, não encontrava respostas para o meu "problema". Livros de medicina, psicologia, história e até alguns de religião estavam espalhados pela minha mesa. Eu cocei os olhos cansados e tomei mais um gole de café. Franzi o nariz ao sentir, através da janela aberta, o cheiro forte de um esgoto aberto a duas quadras dali. Afastei o café com enjoo.
Era por isso que eu estava pesquisando. Queria saber mais sobre mim mesma. Eu, desde os treze anos, sentia cheiros e sabia identificá-los com segurança. Não importava a direção e nem a distância de onde estava a sua origem. Se estivesse ao meu alcance, ou melhor, ao alcance do meu "dom", eu sentia. Uma vez eu encontrei uma padaria apenas seguindo o cheiro do pão quentinho quando estava com fome. Muitas vezes eu me sentia como um daqueles cães farejadores usados pela polícia. Mas não era só isso. Ah se fosse! Eu também podia respirar embaixo da água, no meio de qualquer fumaça, e acho que até em grandes altitudes (isso eu ainda não havia experimentado). Nada parecia me afetar. O que eu era afinal? Algum alien? Uma mutante? Uma super-heroína que desconhecia sua origem? Haveria outros como eu?
O telefone no balcão tocou e me tirou de meus devaneios. Pulei da cadeira assustada pelo barulho do telefone antigo àquela hora da noite. Eram quase onze horas! Quem ligaria para a biblioteca tão tarde? Eu resolvi ignorar, mas devido a insistência, acabei atendendo. Uma voz de mulher soou abafada em meus ouvidos. Parecia aflita.
_ "Eles sabem sobre você. Estão indo buscá-la. Fuja!"
_ O quê? Quem está falando? - Perguntei.
_ "Isso não importa agora! Eles sabem o que você pode fazer. Eles a acharam. Tem que sair daí!"
Aquilo era uma loucura. Eu não sabia quem estava ligando, mas ela parecia saber muito sobre mim. Eu queria perguntar mil coisas, mas meu coração começou a acelerar por causa da urgência nas palavras dela.
_ Quem são eles? Quem quer me pegar?
_ "Sinta o cheiro!"
Obedeci por instinto e senti um cheiro familiar. Um cheiro de algo diferente do esgoto ou de qualquer outra coisa. Era um cheiro nauseante que me trazia lembranças que eu não conseguia definir ou colocar para fora. De repente uma onda de pânico me invadiu, trazida pela lembrança que teimava em alcançar a superfície da minha mente.
_ "Fuja!" - a voz tornou a dizer.
Dessa vez eu soltei o telefone, peguei minha mochila e não me preocupei em arrumar nada. Apenas corri dali, em direção contrária a daquele cheiro. Queria fugir dele. Era um cheiro de morte.
POV Sunny
Acordei com meu próprio grito, chorando de dor em meus ouvidos, causada pelo som agudo que penetrava como uma agulha em meus tímpanos. Levantei a vista e olhei para o relógio na mesa de cabeceira. Marcava três horas da manhã. Era sempre a mesma hora. O mesmo sonho. O mesmo som. Era sempre a mesma coisa a se repetir. Fazia quanto tempo que eu não conseguia dormir bem à noite? Perdi a conta. Pela manhã, eu andava pelas ruas como um zumbi, sem conseguir me concentrar em nada, perdendo, às vezes, o controle daquele estranho "dom".
Pus meus pés para fora da cama, mas ainda cobria meus ouvidos com as mãos. Estava ofegante, o pijama grudado em meu corpo por causa do suor. Minha respiração estava agitada e o mundo parecia girar loucamente. Sempre levava algum tempo até que o som agudo fosse diminuindo e eu conseguisse perceber novamente os outros sons à minha volta.
Levantei cambaleando e fui até a geladeira. Felizmente o apartamento era pequeno. Enchi um copo com água e me apoiei no balcão. Fui tomando a água devagar, a fim de acalmar os nervos, e depois fui sentar no sofá. Logo, as batidas do coração começaram a se acalmar e foram voltando ao normal, e o zumbido foi diminuindo até se tornar apenas uma impressão distante. Eu já podia escutar novamente. Era como respirar.
Aquele som que me despertava toda noite era estranhamente familiar. Um som que eu tinha certeza de que fizera parte de minha vida. Da vida que eu não lembrava. Queria que descobrir sobre mim mesma fosse tão simples como descobrir as histórias das outras pessoas. (Eu era jornalista investigativa e trabalhava para um jornal).
Quando achei que tudo havia voltado ao normal, abri a porta da varanda do apartamento e deixei o ar entrar. Fechei os olhos e apurei os ouvidos com um sorriso. Podia ouvir os sons novamente. Todos eles! A conversa de dois bêbados cinco andares lá embaixo; a música que tocava no carro que acabava de avançar o sinal na avenida; a televisão ligada em um programa de variedades no apartamento do prédio da frente, que ficava do outro lado da rua...
Sim, esse era o "dom" a que me referi. Eu podia ouvir muito bem, mais do que uma pessoa normal poderia. E tudo o que eu mais queria, era saber por quê.
POV Yoona
No sonho, eu caminhava na rua enquanto a neve caía sobre mim. Era uma sensação boa, mas o engraçado era que apesar de me encontrar com roupas leves, não sentia frio. Eu era assim. Podia aquecer meu corpo no frio e esfriá-lo no calor. Alguém me disse que isso acontecia por causa da energia acumulada em meu corpo, que me dava uma força descomunal. Uma coisa difícil de imaginar quando eu me olhava no espelho. Eu tinha uma aparência tão delicada e frágil que parecia que qualquer vento forte poderia me arrastar e fazer em pedaços.
Mas, voltando ao sonho, eu sempre o tinha e buscava-o na lembrança. Era uma maneira de fugir da realidade. Enquanto eu pensava nisso, a neve no sonho começou a ficar negra e queimar a minha pele. Estava começando de novo. Acordei com um grito. Debati-me, tentando me soltar da mesa onde estava presa pelos pulsos e tornozelos. Por mais que eu tentasse, não conseguia me livrar, pois o aço que me prendia era diferente, feito especialmente para me conter. Haviam acabado de injetar em mim uma substância qualquer que me tirou do sonho e parecia fazer o meu sangue ferver.
Eu gritava e chorava, mas ninguém ali ligava para isso. As três pessoas de máscaras e jalecos brancos apenas me observavam e anotavam os valores que eram registrados nas máquinas que estavam presas à mesa. Eu olhei para cima e vi, através da janela de vidro que circulava a sala, um grupo de homens e mulheres bem vestidos que assistiam a tudo com interesse. Eu não tinha muita coisa para fazer, então procurei memorizar cada rosto ali. Um dia eles me diriam o porquê.
Quando os testes acabaram, me aplicaram outra droga. Esta foi aliviando o efeito da anterior, mas deixou meu corpo entorpecido e fraco. Mesmo que eu pudesse, não conseguiria usar minha força para fugir dali. Levaram-me de volta ao meu quarto-cela ainda presa a mesma mesa, que era móvel. Lá chegando, me soltaram e jogaram em uma cama. Apesar do entorpecimento, o sono não voltou. Eu só queria sair dali, saber por que estavam fazendo aquilo comigo. Simplesmente me jogaram ali sem nenhuma explicação. Como eu vivia sozinha, de mochila nas costas, viajando de carona pelo país, ninguém sentiria minha falta. Eu era apenas uma mochileira sem nome que gostava de pegar caronas clandestinas em trens.
A porta abriu novamente e meu coração acelerou, meu corpo se retraiu. Será que iam me levar de novo? Um homem de máscara e jaleco branco como os outros se aproximou de mim. Ele olhava furtivamente para a porta semiaberta. Retirou uma seringa do bolso e eu o olhei com desconfiança e medo. Ele pareceu sorrir para mim.
_ Calma, isso vai fazer você se sentir melhor. Precisa estar mais forte para sair daqui. - Ele olhou seu relógio de pulso. - Só mais três minutos.
Aos poucos fui sentindo o movimento voltar aos meus membros e consegui sentar na cama. Ele me deu uma muda de roupas. Eu usava um pijama de hospital verde claro.
_ Vista isso! Rápido!
Eu não ousei perguntar nada. Ele estava me dando a oportunidade de fugir, então obedeci. O que tinha a perder? Vesti a calça jeans, o agasalho com capuz e calcei o tênis o mais rápido que consegui.
_ Por que está me ajudando? - Perguntei. - Quem são essas pessoas?
Ele balançou a cabeça.
_ Não temos tempo para isso. Pegue! - Ele me passou um envelope. - Abra-o quando estiver longe daqui.
Eu o guardei no bolso e segui meu salvador por um caminho subterrâneo que levava até um pequeno porto. Ele conhecia os atalhos e não encontramos ninguém para impedir nossa passagem. Vi as luzes da cidade ao longe. Aquilo era uma ilha! Um pequeno barco de pesca nos aguardava. Esperei enquanto o homem falava com o velho pescador e lhe passava umas notas de dinheiro. A um sinal do velho, eu entrei no barco de pesca e fomos navegando em direção à cidade. Olhei para trás e o meu salvador não estava mais lá. Atrás de nós havia a sombra de uma estrutura que mais lembrava uma grande caixa com janelas. Uma prisão de concreto e aço que faria para sempre parte de meus pesadelos.
POV Taeyeon
Eu abri os olhos e me arrependi no mesmo instante. Uma luz ofuscante e uma imagem surgiram simultaneamente em minha mente. Aquilo estava ficando constante demais! A luz me deixava sempre com dor de cabeça, e aquela imagem... Aquela imagem ficava gravada como uma tatuagem. Era algo que me dava arrepios, mas ao mesmo tempo me atraía porque significava alguma coisa para mim. Eu tinha que desenhá-la! Eu sentia que já a havia visto antes.
Com um gemido eu me sentei na cama e cobri o rosto com as mãos. Minha cabeça latejava fortemente. Respirei fundo, levantei e caminhei até a janela do pequeno apartamento que também me servia de atelier de desenhos. O sol estava encoberto por algumas nuvens, mas a claridade ainda era ofuscante.
Eu me concentrei e olhei para a cidade que acordava lá embaixo. Eu podia enxergar coisas que comumente estariam longe demais para serem alcançadas com a vista normal. Era legal! Era como se eu tivesse binóculos no lugar dos olhos. E bem potentes! Eu também podia enxergar no escuro, e agora apareceram também aquelas visões... Uma em particular estava me deixando louca.
Após lavar o rosto e tomar um chá quente, eu me senti mais disposta. Sentei-me diante da mesa com uma folha em branco já aguardando o primeiro rascunho do dia. Eu não precisei forçar muito a minha mente para lembrar, apenas peguei o lápis e comecei a desenhar.
POV Tiffany
Caía uma chuva fina enquanto eu caminhava pelo cemitério naquela manhã fria. Eu olhava em volta procurando um túmulo em particular. Quando o encontrei, ajoelhei-me diante dele e o fitei perdida em reflexões. Ali estava enterrado o homem que disseram ser o meu verdadeiro pai. O único que eu achava ser capaz de me dar a resposta que eu tanto procurava. Eu suspirei desanimada e encostei o guarda-chuva na lápide, não me importando com os pingos leves que ainda caíam.
Eu queria poder ler as lembranças dos mortos como conseguia ler a mente dos vivos, mas os mortos não tinham lembranças para serem lidas. Eu podia ler e influenciar pensamentos. Aquilo era assustador, principalmente para uma médica cirurgiã acostumada à lógica científica. Por que aquilo acontecia comigo?
De repente, uma mão pousou em meu ombro e eu me virei assustada. Era um velho com uma pá na mão. Um dos coveiros que me olhava com curiosidade.
_ Seu parente? - Ele perguntou.
_ Dizem que sim - Eu respondi ficando de pé.
_ Desculpe por incomodá-la, mas nunca o vi receber visitas em todos esses anos que estou aqui.
_ Sério?
O homem deu de ombros e aquilo foi frustrante.
_ Dizem que não era um homem muito bem visto.
Tudo bem, eu agora estava realmente curiosa.
_ Por que não? O que ele fez?
_ Acho que tem a ver com o trabalho que ele fazia naquele lugar.
_ Como assim? Que lugar? Onde ele trabalhava?
Antes que o coveiro respondesse ou antes que eu conseguisse manter um mínimo contato visual com ele a fim de ler sua mente, a chuva começou a cair com mais força. O velho saiu correndo e resmungando algo sobre a chuva e uma cova recém aberta. Pelo volume de água que agora caía, eu fui obrigada a pegar meu guarda-chuva e procurar abrigo. Quando tudo se acalmasse, eu procuraria o coveiro novamente. Ele sabia de algo que poderia me ajudar. Ao mesmo tempo eu me sentia desconfortável, pois estive perto de fazer algo que eu considerava antiético, pelo menos no meu caso em particular. Eu estava para ler o pensamento de uma pessoa sem o consentimento dela, a fim de tirar informações para o meu próprio interesse. Foi difícil controlar esse "dom", mas eu aprendi que bastava não manter o contato visual por mais tempo do que o permitido. No entanto, aquela informação poderia mudar e dar um sentido à minha vida. Entrei no meu carro e aguardei pacientemente a chuva passar.
POV Seohyun
Noona já havia vivido o bastante, e agora buscava se redimir das culpas do passado. Eu estava sentada diante dela, em uma cadeira, escutando com atenção a história da minha vida. Ela sempre disse que eu era especial, mas agora aquilo ganhou um novo significado para mim. Fui adotada por ela, que sempre soube que eu possuía um "dom" incomum e, através de seus conselhos, me ajudou a compreendê-lo.
Eu tinha uma habilidade especial com as palavras. Meu tom de voz podia convencer as pessoas e até fazê-las ter ilusões que pareciam reais. Noona contou-me tudo o que sabia sobre a minha origem e também revelou que havia outras como eu. O quarto dela parecia uma UTI e ela falava através de um respirador. Eu folheava um álbum de fotografias que ela me mandara tirar de seu armário. Ela disse que ele havia sido feito especialmente para mim, para aquele momento.
Havia fotos de vários lugares, entre eles se destacava uma estrutura com aparência de caixa, com muitas janelas em volta e chaminés que lembravam uma fábrica. E havia também algumas fotos individuais de diferentes crianças, todas meninas mais ou menos da mesma idade.
_ Eu já lhe contei tudo o que sabia... O resto você terá que descobrir. - A voz dela saía abafada através do respirador.
_ E o que eu faço agora, Noona?
_ Encontre-as, diga a verdade a elas. Devem estar tão perdidas sem respostas! Todas vocês correm perigo...
Ouvi um carro parar lá embaixo e fui até a janela.
_ Um carro preto com homens vestidos de preto. - Noona sussurrou como se soubesse que viriam.
_ Sim. - Eu concordei.
_ São eles! Precisa ir agora, Seohyun.
Eu agarrei as mãos dela entre as minhas e as beijei com lágrimas nos olhos.
_ Eu farei o que você me pediu, Noona. Farei por você.
_ Não, minha querida. Faça por você e por elas... Apesar de não conhecê-las ainda.
Eu joguei a mochila já pronta nas costas e desci as escadas correndo. Na porta da sala, os dois homens de preto forçavam a passagem para entrar, mas o mordomo, muito bem treinado, não queria deixar que estranhos invadissem a mansão. Eu respirei fundo, fechei os olhos e absolvi todos os detalhes do ambiente em volta, internos e externos, isso incluía a casa e a rua lá fora. Encontrei o que procurava e desci as escadas com segurança, encarando os visitantes que me olhavam através dos óculos escuros. Antes que eles pudessem falar qualquer coisa, eu me antecipei.
_ A pessoa que procuram não mora nessa casa. Ela mora no final da rua, em uma casa que todos pensam que está abandonada. Vive escondida no porão para não ser descoberta. - Minha voz saía de maneira calma e hipnótica.
Os dois homens pareceram confusos e trocaram olhares entre si. Eu continuei.
_ Ela raramente sai de casa, mas sabe que vocês estão aqui e se prepara para partir nesse exato momento. Se a quiserem deter, sejam rápidos.
Como se obedecessem a uma ordem, eles se viraram e saíram correndo em direção ao final da rua. Eu tranquilamente passei pelo carro preto que estava parado, entrei no meu carro esporte, do qual teria que me livrar mais tarde, e com uma última olhada para a janela do quarto, murmurei:
_ Adeus, Noona, e obrigada por me amar como uma filha e não esconder a verdade de mim.
No meu bolso havia um papel com um endereço e um nome. Foi a primeira coisa que Noona me entregou naquele dia. O nome era Kim Taeyeon, e era a primeira de minhas "irmãs" que eu deveria encontrar.
Eu reprimi um bocejo no meio da reunião que meu pai presidia. Ele ultimamente me fazia acompanhá-lo para todas as reuniões e viagens de negócios. Como aquilo era cansativo! O engraçado é que segundo os comentários que chegavam aos meus ouvidos, muitos achavam que eu levava mais jeito do que ele para colocar a empresa nos eixos. Apesar do ar frio e enfadonho que eu passava, eu era na realidade uma pessoa muito tímida e procurava ser gentil com os funcionários, o que o meu pai não fazia. Eu tratava a todos bem e me importava de verdade. Por que não me importaria? Eles eram pessoas normais, simples. Ao contrário de mim. Sim, eu tinha um segredo que escondia até mesmo de meus pais. Era um segredo meio louco, até mesmo para mim. Eu podia enxergar através das coisas! Quando falo em coisas, me refiro a objetos sólidos.
Foi assim que eu vi o envelope que meu pai escondeu às pressas na gaveta do escritório quando eu entrei. Por curiosidade, eu fiz algo que havia decidido não fazer. Eu usei o meu “dom” e vi o envelope descansando no fundo da gaveta com um símbolo gravado no papel como uma marca d’água. Aquilo, de alguma forma que não sei explicar, parece ter despertado algo no fundo de meu cérebro e senti lembranças querendo forçar a passagem para sair. Um único símbolo.
Agora, após a reunião, fomos juntos para o carro. O silêncio imperou pelo caminho. Parece que se não fossem negócios, não tínhamos o que conversar. Descemos pelo elevador até o estacionamento e entramos no carro, sentando no banco traseiro, pois o motorista já estava a postos, aguardando nossa chegada. Percebi que meu pai trazia consigo, além da costumeira maleta, um malote menor, quadrado. Resistindo a tentação de olhar muito para ele, eu perguntei casualmente.
_ O que é isso?
Ele pareceu se assustar com minha pergunta. Suas mãos envolveram o malote como se quisessem protegê-lo.
_ Ah, não é nada demais. Apenas acessórios novos para o escritório que comprei na internet.
Meu pai não era de fazer compras na internet. Aliás, geralmente havia quem fizesse isso para ele. Mas resolvi ficar calada e não perguntar mais nada. Quando chegamos em casa, eu o acompanhei até o escritório para revermos a agenda do dia seguinte e darmos por encerrado aquele dia. Observei quando ele guardou os “acessórios” no seu cofre particular. Fingi não ligar para o que ele fazia e trocamos informações sobre a agenda, depois subi para o meu quarto.
Naquela noite, meus pais recebiam amigos no jantar, visitas inesperadas que acabavam de chegar de viagem. Jantamos em um clima descontraído e notei que meu pai realmente estava envolvido com as visitas. Então, o malote guardado no cofre me veio à mente. Pedi licença com o pretexto de dar um telefonema e subi. Fiz algo que nunca foi do meu feitio. Entrei furtivamente no gabinete de meu pai e me aproximei do quadro que escondia o cofre por trás. Não foi preciso tirá-lo do caminho. O meu olhar fixo passou através dele e também através da pesada estrutura de aço do cofre. Lá dentro estava o malote com o mesmo símbolo do envelope gravado sobre ele, e dentro dele pude ver um objeto estranho. Parecia um daqueles cubos de Rubik, mais conhecidos como cubos mágicos. Mas o formato era diferente. Era como se alguém tivesse soprado dentro dele e expandido os lados com ar. Também não era colorido, mas apenas a cor prata o envolvia por completo. Não era uma cor estática, pois parecia brilhar e pulsar levemente. Foi estranho, mas não consegui ficar olhando por muito tempo. Aquilo fez minha cabeça começar a latejar. Era como se pudesse me afetar de alguma forma. O que meu pai estaria escondendo?
POV Hyoyeon
Eu o segui até uma casa. Na realidade, era uma mansão que ficava localizada no lado nobre da cidade. Era uma daquelas mansões com cerca elétrica, câmeras, cães furiosos e seguranças armados. Não seria um trabalho fácil. Escondi minha moto em meio a alguns arbustos do outro lado da estrada e aguardei. Retirei minha câmera de dentro da mochila e passei a correia por cima do ombro. Uma foto daquele político famoso em um lugar suspeito como aquele renderia um bom dinheiro. Bem, para quem está pensando que sou algum tipo de policial ou detetive, se enganou. Sou apenas uma fotógrafa intrometida tentando ganhar uma boa grana e deixar aquela vida para trás. Ser paparazzi de político não foi o meu projeto inicial, mas foi o melhor que consegui fazer com uma câmera.
Deixei a moto estacionada e escondida e segui até o muro. Como esperava, era cercado em cima com uma cerca elétrica. Sorri no íntimo e me diverti com o pensamento. Aquilo realmente não era problema para mim. Com a ajuda de algumas fissuras no muro, eu escalei e alcancei a cerca. Quando a toquei, senti que o choque poderia matar ou apenas deixar inconsciente qualquer pessoa normal, mas eu não era normal. Os choques faziam apenas cócegas em minhas mãos. Passei e pulei para o outro lado sem problemas. Ouvi uns grunhidos atrás de mim e me virei ainda no chão. Tinha esquecido dos cães! Um deles havia me visto e estava com os dentes à mostra, pronto para pular em cima de mim, o corpo arqueado e os pelos eriçados. Quando ele saltou, eu estirei meu braço direito para a frente e uma pequena descarga elétrica saiu de minha mão e atingiu o animal que caiu desacordado. Se eu o tivesse tocado com as duas mãos, o choque teria sido fatal e ele poderia estar morto agora.
_ Desculpe por isso, amigo. Você só estava fazendo o seu trabalho, mas agora tenho que fazer o meu.
Eu passei por ele e corri meio agachada com a câmera já em mãos, pronta para o primeiro clique da noite. Aproximei-me de uma das grandes janelas que dava para a frente do jardim e sorri satisfeita com o que vi. Lá dentro, na luxuosa sala, encontravam-se cinco homens influentes não apenas na política, mas também na indústria e no meio empresarial. Estavam contando dinheiro em cima de uma mesa, rindo e bebendo whisky importado. Eu comecei a tirar as fotografias, inclusive dando um zoom no rosto de cada um e no dinheiro também. Aquelas fotos me renderiam bem mais do que o salário do mês inteiro. Quando me dei por satisfeita, voltei rapidamente pelo mesmo caminho. Passei por cima do cão adormecido e saltei o muro do mesmo jeito que havia entrado.
Eu olhei um momento para minhas mãos, limpas de qualquer dano, e me perguntei pela milésima vez o motivo de eu ser daquele jeito. Eu, desde meus treze anos, conseguia pegar em qualquer coisa sem sofrer danos. Podia ser o fogo, o gelo, a eletricidade, coisas tóxicas. E tinha mais, o meu corpo podia devolver aquilo que recebeu no contato. Fosse o que fosse. Foi por esse motivo que consegui dar o choque no pobre cão. Mas por que eu era assim? Tinha que haver uma explicação. Eu não sabia ainda, mas daria tudo para descobrir.
POV Yuri
Eu estava na fila do supermercado, aguardando para pagar um pote de sorvete, quando o meu celular, que estava no silencioso, vibrou em meu bolso. Ignorei e olhei em volta. Havia apenas duas pessoas na minha frente e o supermercado parecia deserto àquela hora. Não que fosse tarde, mas era véspera de um final de semana e eu esperava que houvessem mais pessoas. Os toques pararam e eu pensei que talvez tivesse sido engano. Mas logo em seguida a esse pensamento, eles voltaram. Estremeci e fiquei pensando se atenderia ou não. Durante toda aquela semana, uma pessoa ficou ligando para mim e enviando mensagens estranhas. Nunca falava, apesar de eu saber que havia alguém do outro lado da linha.
Os últimos dez telefonemas gravados em meu aparelho vinham do mesmo número: “confidencial”. Sempre após o telefonema vinha a mensagem. O que elas diziam para me deixar apavorada? “Estou de olho em você”, “Sei o que você faz”, “Conheço o seu segredo”, “Eles estão chegando para buscar você”. E muitas outras desse tipo que acabei deletando. Os toques pararam quando chegou minha vez de pagar. Dei o dinheiro para a moça do caixa torcendo para ela não perceber minha mão tremendo. A senhora que havia passado na minha frente, porém, enquanto empacotava suas coisas me olhava com preocupação.
_ Está se sentindo bem? Você está pálida! – Ela falou.
Eu sorri sem graça e passei por ela com um respeitoso aceno de cabeça.
_ Sim, eu estou bem, é apenas o frio. Obrigada por se importar.
Passei por ela rapidamente, mas quando cheguei na porta, o celular vibrou novamente. Logo em seguida veio o toque de mensagem. Peguei o aparelho e só então percebi o quanto eu estava nervosa. A mensagem dizia: “Olhando daqui, você até parece que é normal”.
Eu soltei o saco com o pote de sorvete no primeiro carrinho que encontrei e saí dali correndo, sem nem olhar para trás. O celular continuou vibrando e eu tive a tentação de jogá-lo fora. Quando eu o toquei, minha mão passou por ele como se não houvesse nada em meu bolso.
_ Droga! Isso não é hora para falhar.
Aquilo sempre acontecia quando eu ficava nervosa. Sim, eu tinha um dom, não era como as outras pessoas. Minha normalidade consistia em minha aparência e no meu emprego. Eu dava aulas de natação para adolescentes. Tirando essa vida normal, eu podia atravessar paredes e qualquer outra coisa sólida. Isso não se vê todo o dia. Mas acontecia de não conseguir controlar o toque quando ficava nervosa ou ansiosa demais. Como agora.
Eu parei ofegante diante do prédio em que morava. Olhei para a rua e não vi ninguém suspeito. Atravessei e subi correndo até o terceiro andar, não queria ficar presa em um elevador que mal cabia três pessoas. Lá em cima, na segurança de minha casa, eu pude finalmente descansar. Sentei na cama e olhei longamente para minhas mãos. Algumas vezes eu me perguntava se estava mesmo viva, pois para mim aquilo era coisa de fantasmas. Atravessar paredes!
E agora havia aquela pessoa a me seguir, dizendo saber o que eu fazia, conhecendo o segredo que eu guardava comigo por tantos anos! Quem poderia ser? Por que estava brincando comigo em vez de aparecer logo? Apesar do medo, aquela pessoa poderia ter as respostas que eu tanto ansiava conseguir.
POV Sooyoung
A biblioteca da faculdade era assustadora à noite. Poucos alunos a frequentavam naquele horário. Eu trabalhava lá como voluntária durante o período noturno, o que também me dava condições de fazer minha própria pesquisa particular, além da que eu já fazia para o curso de Mestrado. Era tarde quando fechei o livro que estava lendo com um suspiro frustrado. Por mais que eu procurasse, não encontrava respostas para o meu "problema". Livros de medicina, psicologia, história e até alguns de religião estavam espalhados pela minha mesa. Eu cocei os olhos cansados e tomei mais um gole de café. Franzi o nariz ao sentir, através da janela aberta, o cheiro forte de um esgoto aberto a duas quadras dali. Afastei o café com enjoo.
Era por isso que eu estava pesquisando. Queria saber mais sobre mim mesma. Eu, desde os treze anos, sentia cheiros e sabia identificá-los com segurança. Não importava a direção e nem a distância de onde estava a sua origem. Se estivesse ao meu alcance, ou melhor, ao alcance do meu "dom", eu sentia. Uma vez eu encontrei uma padaria apenas seguindo o cheiro do pão quentinho quando estava com fome. Muitas vezes eu me sentia como um daqueles cães farejadores usados pela polícia. Mas não era só isso. Ah se fosse! Eu também podia respirar embaixo da água, no meio de qualquer fumaça, e acho que até em grandes altitudes (isso eu ainda não havia experimentado). Nada parecia me afetar. O que eu era afinal? Algum alien? Uma mutante? Uma super-heroína que desconhecia sua origem? Haveria outros como eu?
O telefone no balcão tocou e me tirou de meus devaneios. Pulei da cadeira assustada pelo barulho do telefone antigo àquela hora da noite. Eram quase onze horas! Quem ligaria para a biblioteca tão tarde? Eu resolvi ignorar, mas devido a insistência, acabei atendendo. Uma voz de mulher soou abafada em meus ouvidos. Parecia aflita.
_ "Eles sabem sobre você. Estão indo buscá-la. Fuja!"
_ O quê? Quem está falando? - Perguntei.
_ "Isso não importa agora! Eles sabem o que você pode fazer. Eles a acharam. Tem que sair daí!"
Aquilo era uma loucura. Eu não sabia quem estava ligando, mas ela parecia saber muito sobre mim. Eu queria perguntar mil coisas, mas meu coração começou a acelerar por causa da urgência nas palavras dela.
_ Quem são eles? Quem quer me pegar?
_ "Sinta o cheiro!"
Obedeci por instinto e senti um cheiro familiar. Um cheiro de algo diferente do esgoto ou de qualquer outra coisa. Era um cheiro nauseante que me trazia lembranças que eu não conseguia definir ou colocar para fora. De repente uma onda de pânico me invadiu, trazida pela lembrança que teimava em alcançar a superfície da minha mente.
_ "Fuja!" - a voz tornou a dizer.
Dessa vez eu soltei o telefone, peguei minha mochila e não me preocupei em arrumar nada. Apenas corri dali, em direção contrária a daquele cheiro. Queria fugir dele. Era um cheiro de morte.
POV Sunny
Acordei com meu próprio grito, chorando de dor em meus ouvidos, causada pelo som agudo que penetrava como uma agulha em meus tímpanos. Levantei a vista e olhei para o relógio na mesa de cabeceira. Marcava três horas da manhã. Era sempre a mesma hora. O mesmo sonho. O mesmo som. Era sempre a mesma coisa a se repetir. Fazia quanto tempo que eu não conseguia dormir bem à noite? Perdi a conta. Pela manhã, eu andava pelas ruas como um zumbi, sem conseguir me concentrar em nada, perdendo, às vezes, o controle daquele estranho "dom".
Pus meus pés para fora da cama, mas ainda cobria meus ouvidos com as mãos. Estava ofegante, o pijama grudado em meu corpo por causa do suor. Minha respiração estava agitada e o mundo parecia girar loucamente. Sempre levava algum tempo até que o som agudo fosse diminuindo e eu conseguisse perceber novamente os outros sons à minha volta.
Levantei cambaleando e fui até a geladeira. Felizmente o apartamento era pequeno. Enchi um copo com água e me apoiei no balcão. Fui tomando a água devagar, a fim de acalmar os nervos, e depois fui sentar no sofá. Logo, as batidas do coração começaram a se acalmar e foram voltando ao normal, e o zumbido foi diminuindo até se tornar apenas uma impressão distante. Eu já podia escutar novamente. Era como respirar.
Aquele som que me despertava toda noite era estranhamente familiar. Um som que eu tinha certeza de que fizera parte de minha vida. Da vida que eu não lembrava. Queria que descobrir sobre mim mesma fosse tão simples como descobrir as histórias das outras pessoas. (Eu era jornalista investigativa e trabalhava para um jornal).
Quando achei que tudo havia voltado ao normal, abri a porta da varanda do apartamento e deixei o ar entrar. Fechei os olhos e apurei os ouvidos com um sorriso. Podia ouvir os sons novamente. Todos eles! A conversa de dois bêbados cinco andares lá embaixo; a música que tocava no carro que acabava de avançar o sinal na avenida; a televisão ligada em um programa de variedades no apartamento do prédio da frente, que ficava do outro lado da rua...
Sim, esse era o "dom" a que me referi. Eu podia ouvir muito bem, mais do que uma pessoa normal poderia. E tudo o que eu mais queria, era saber por quê.
POV Yoona
No sonho, eu caminhava na rua enquanto a neve caía sobre mim. Era uma sensação boa, mas o engraçado era que apesar de me encontrar com roupas leves, não sentia frio. Eu era assim. Podia aquecer meu corpo no frio e esfriá-lo no calor. Alguém me disse que isso acontecia por causa da energia acumulada em meu corpo, que me dava uma força descomunal. Uma coisa difícil de imaginar quando eu me olhava no espelho. Eu tinha uma aparência tão delicada e frágil que parecia que qualquer vento forte poderia me arrastar e fazer em pedaços.
Mas, voltando ao sonho, eu sempre o tinha e buscava-o na lembrança. Era uma maneira de fugir da realidade. Enquanto eu pensava nisso, a neve no sonho começou a ficar negra e queimar a minha pele. Estava começando de novo. Acordei com um grito. Debati-me, tentando me soltar da mesa onde estava presa pelos pulsos e tornozelos. Por mais que eu tentasse, não conseguia me livrar, pois o aço que me prendia era diferente, feito especialmente para me conter. Haviam acabado de injetar em mim uma substância qualquer que me tirou do sonho e parecia fazer o meu sangue ferver.
Eu gritava e chorava, mas ninguém ali ligava para isso. As três pessoas de máscaras e jalecos brancos apenas me observavam e anotavam os valores que eram registrados nas máquinas que estavam presas à mesa. Eu olhei para cima e vi, através da janela de vidro que circulava a sala, um grupo de homens e mulheres bem vestidos que assistiam a tudo com interesse. Eu não tinha muita coisa para fazer, então procurei memorizar cada rosto ali. Um dia eles me diriam o porquê.
Quando os testes acabaram, me aplicaram outra droga. Esta foi aliviando o efeito da anterior, mas deixou meu corpo entorpecido e fraco. Mesmo que eu pudesse, não conseguiria usar minha força para fugir dali. Levaram-me de volta ao meu quarto-cela ainda presa a mesma mesa, que era móvel. Lá chegando, me soltaram e jogaram em uma cama. Apesar do entorpecimento, o sono não voltou. Eu só queria sair dali, saber por que estavam fazendo aquilo comigo. Simplesmente me jogaram ali sem nenhuma explicação. Como eu vivia sozinha, de mochila nas costas, viajando de carona pelo país, ninguém sentiria minha falta. Eu era apenas uma mochileira sem nome que gostava de pegar caronas clandestinas em trens.
A porta abriu novamente e meu coração acelerou, meu corpo se retraiu. Será que iam me levar de novo? Um homem de máscara e jaleco branco como os outros se aproximou de mim. Ele olhava furtivamente para a porta semiaberta. Retirou uma seringa do bolso e eu o olhei com desconfiança e medo. Ele pareceu sorrir para mim.
_ Calma, isso vai fazer você se sentir melhor. Precisa estar mais forte para sair daqui. - Ele olhou seu relógio de pulso. - Só mais três minutos.
Aos poucos fui sentindo o movimento voltar aos meus membros e consegui sentar na cama. Ele me deu uma muda de roupas. Eu usava um pijama de hospital verde claro.
_ Vista isso! Rápido!
Eu não ousei perguntar nada. Ele estava me dando a oportunidade de fugir, então obedeci. O que tinha a perder? Vesti a calça jeans, o agasalho com capuz e calcei o tênis o mais rápido que consegui.
_ Por que está me ajudando? - Perguntei. - Quem são essas pessoas?
Ele balançou a cabeça.
_ Não temos tempo para isso. Pegue! - Ele me passou um envelope. - Abra-o quando estiver longe daqui.
Eu o guardei no bolso e segui meu salvador por um caminho subterrâneo que levava até um pequeno porto. Ele conhecia os atalhos e não encontramos ninguém para impedir nossa passagem. Vi as luzes da cidade ao longe. Aquilo era uma ilha! Um pequeno barco de pesca nos aguardava. Esperei enquanto o homem falava com o velho pescador e lhe passava umas notas de dinheiro. A um sinal do velho, eu entrei no barco de pesca e fomos navegando em direção à cidade. Olhei para trás e o meu salvador não estava mais lá. Atrás de nós havia a sombra de uma estrutura que mais lembrava uma grande caixa com janelas. Uma prisão de concreto e aço que faria para sempre parte de meus pesadelos.
POV Taeyeon
Eu abri os olhos e me arrependi no mesmo instante. Uma luz ofuscante e uma imagem surgiram simultaneamente em minha mente. Aquilo estava ficando constante demais! A luz me deixava sempre com dor de cabeça, e aquela imagem... Aquela imagem ficava gravada como uma tatuagem. Era algo que me dava arrepios, mas ao mesmo tempo me atraía porque significava alguma coisa para mim. Eu tinha que desenhá-la! Eu sentia que já a havia visto antes.
Com um gemido eu me sentei na cama e cobri o rosto com as mãos. Minha cabeça latejava fortemente. Respirei fundo, levantei e caminhei até a janela do pequeno apartamento que também me servia de atelier de desenhos. O sol estava encoberto por algumas nuvens, mas a claridade ainda era ofuscante.
Eu me concentrei e olhei para a cidade que acordava lá embaixo. Eu podia enxergar coisas que comumente estariam longe demais para serem alcançadas com a vista normal. Era legal! Era como se eu tivesse binóculos no lugar dos olhos. E bem potentes! Eu também podia enxergar no escuro, e agora apareceram também aquelas visões... Uma em particular estava me deixando louca.
Após lavar o rosto e tomar um chá quente, eu me senti mais disposta. Sentei-me diante da mesa com uma folha em branco já aguardando o primeiro rascunho do dia. Eu não precisei forçar muito a minha mente para lembrar, apenas peguei o lápis e comecei a desenhar.
POV Tiffany
Caía uma chuva fina enquanto eu caminhava pelo cemitério naquela manhã fria. Eu olhava em volta procurando um túmulo em particular. Quando o encontrei, ajoelhei-me diante dele e o fitei perdida em reflexões. Ali estava enterrado o homem que disseram ser o meu verdadeiro pai. O único que eu achava ser capaz de me dar a resposta que eu tanto procurava. Eu suspirei desanimada e encostei o guarda-chuva na lápide, não me importando com os pingos leves que ainda caíam.
Eu queria poder ler as lembranças dos mortos como conseguia ler a mente dos vivos, mas os mortos não tinham lembranças para serem lidas. Eu podia ler e influenciar pensamentos. Aquilo era assustador, principalmente para uma médica cirurgiã acostumada à lógica científica. Por que aquilo acontecia comigo?
De repente, uma mão pousou em meu ombro e eu me virei assustada. Era um velho com uma pá na mão. Um dos coveiros que me olhava com curiosidade.
_ Seu parente? - Ele perguntou.
_ Dizem que sim - Eu respondi ficando de pé.
_ Desculpe por incomodá-la, mas nunca o vi receber visitas em todos esses anos que estou aqui.
_ Sério?
O homem deu de ombros e aquilo foi frustrante.
_ Dizem que não era um homem muito bem visto.
Tudo bem, eu agora estava realmente curiosa.
_ Por que não? O que ele fez?
_ Acho que tem a ver com o trabalho que ele fazia naquele lugar.
_ Como assim? Que lugar? Onde ele trabalhava?
Antes que o coveiro respondesse ou antes que eu conseguisse manter um mínimo contato visual com ele a fim de ler sua mente, a chuva começou a cair com mais força. O velho saiu correndo e resmungando algo sobre a chuva e uma cova recém aberta. Pelo volume de água que agora caía, eu fui obrigada a pegar meu guarda-chuva e procurar abrigo. Quando tudo se acalmasse, eu procuraria o coveiro novamente. Ele sabia de algo que poderia me ajudar. Ao mesmo tempo eu me sentia desconfortável, pois estive perto de fazer algo que eu considerava antiético, pelo menos no meu caso em particular. Eu estava para ler o pensamento de uma pessoa sem o consentimento dela, a fim de tirar informações para o meu próprio interesse. Foi difícil controlar esse "dom", mas eu aprendi que bastava não manter o contato visual por mais tempo do que o permitido. No entanto, aquela informação poderia mudar e dar um sentido à minha vida. Entrei no meu carro e aguardei pacientemente a chuva passar.
POV Seohyun
Noona já havia vivido o bastante, e agora buscava se redimir das culpas do passado. Eu estava sentada diante dela, em uma cadeira, escutando com atenção a história da minha vida. Ela sempre disse que eu era especial, mas agora aquilo ganhou um novo significado para mim. Fui adotada por ela, que sempre soube que eu possuía um "dom" incomum e, através de seus conselhos, me ajudou a compreendê-lo.
Eu tinha uma habilidade especial com as palavras. Meu tom de voz podia convencer as pessoas e até fazê-las ter ilusões que pareciam reais. Noona contou-me tudo o que sabia sobre a minha origem e também revelou que havia outras como eu. O quarto dela parecia uma UTI e ela falava através de um respirador. Eu folheava um álbum de fotografias que ela me mandara tirar de seu armário. Ela disse que ele havia sido feito especialmente para mim, para aquele momento.
Havia fotos de vários lugares, entre eles se destacava uma estrutura com aparência de caixa, com muitas janelas em volta e chaminés que lembravam uma fábrica. E havia também algumas fotos individuais de diferentes crianças, todas meninas mais ou menos da mesma idade.
_ Eu já lhe contei tudo o que sabia... O resto você terá que descobrir. - A voz dela saía abafada através do respirador.
_ E o que eu faço agora, Noona?
_ Encontre-as, diga a verdade a elas. Devem estar tão perdidas sem respostas! Todas vocês correm perigo...
Ouvi um carro parar lá embaixo e fui até a janela.
_ Um carro preto com homens vestidos de preto. - Noona sussurrou como se soubesse que viriam.
_ Sim. - Eu concordei.
_ São eles! Precisa ir agora, Seohyun.
Eu agarrei as mãos dela entre as minhas e as beijei com lágrimas nos olhos.
_ Eu farei o que você me pediu, Noona. Farei por você.
_ Não, minha querida. Faça por você e por elas... Apesar de não conhecê-las ainda.
Eu joguei a mochila já pronta nas costas e desci as escadas correndo. Na porta da sala, os dois homens de preto forçavam a passagem para entrar, mas o mordomo, muito bem treinado, não queria deixar que estranhos invadissem a mansão. Eu respirei fundo, fechei os olhos e absolvi todos os detalhes do ambiente em volta, internos e externos, isso incluía a casa e a rua lá fora. Encontrei o que procurava e desci as escadas com segurança, encarando os visitantes que me olhavam através dos óculos escuros. Antes que eles pudessem falar qualquer coisa, eu me antecipei.
_ A pessoa que procuram não mora nessa casa. Ela mora no final da rua, em uma casa que todos pensam que está abandonada. Vive escondida no porão para não ser descoberta. - Minha voz saía de maneira calma e hipnótica.
Os dois homens pareceram confusos e trocaram olhares entre si. Eu continuei.
_ Ela raramente sai de casa, mas sabe que vocês estão aqui e se prepara para partir nesse exato momento. Se a quiserem deter, sejam rápidos.
Como se obedecessem a uma ordem, eles se viraram e saíram correndo em direção ao final da rua. Eu tranquilamente passei pelo carro preto que estava parado, entrei no meu carro esporte, do qual teria que me livrar mais tarde, e com uma última olhada para a janela do quarto, murmurei:
_ Adeus, Noona, e obrigada por me amar como uma filha e não esconder a verdade de mim.
No meu bolso havia um papel com um endereço e um nome. Foi a primeira coisa que Noona me entregou naquele dia. O nome era Kim Taeyeon, e era a primeira de minhas "irmãs" que eu deveria encontrar.
Notas Finais: Respondo todos os comentários e tiro dúvidas. Gostaram?